A desconstrução do ninguém
- por Eliza Rodrigues
- 23 de ago. de 2016
- 2 min de leitura
Aquilo que nos torna humanos se constrói no contato com o outro. Consiste em se ver e ser visto. Nossa humanidade vem do outro, nós não podemos ser humanos sozinhos. Através desses espectros de imagens nós reafirmamos a nossa existência. Contudo, nós vivemos em uma civilização que naturaliza os privilégios e invisibiliza a opressão. Tal invisibilidade é tão profundamente impetrada que precisamos treinar os nossos olhos para percebê-las. Indiscutivelmente, isso requer um descomunal esforço, principalmente, dos que sofrem a opressão. Temos quer mover-nos contra a maré, enfrentando pesadas ondas em um vasto oceano de indignidades históricas.
Ser negro em um país racista que, hipocritamente, nega seu racismo, porque é o “país da miscigenação”, não é para almas frágeis. Àquele que não vê enquanto sujeito, resta ver-se rascunhado, uma figura caricata. Ao invisibilizar o negro e as questões que remontam à própria formação do país, manda-se uma dupla mensagem, com conteúdos similares em sua oposição, qual é o lugar em que toleramos o negro, e, em quais lugares não o admitimos.
Depois de ter as ligações com nossa ancestralidade rompidas, a alma espoliada, apagada, a existência diminuída, nos resta resistir, desconstruir a “ninguendade” que nos impingem. Criar um discurso libertador que restaure elos ancestrais, que mostre a beleza e alma vivida que possuímos. Vamos retomar nosso protagonismo, e dizer, por nós mesmos, quem somos, o queremos para o futuro, quais lugares ocuparemos. Reconectanto-nos uns aos outros e a nós mesmos enquanto sujeito.
Ser negro é uma busca incessante por si mesmo, e, apesar das muitas mazelas que precisamos superar todos os dias, sei que as futuras gerações se verão em lugares de protagonismo, diferentemente da infância que tive. Sei disso por que eu e muitos outros hoje, assim como no passado, estão semeando este futuro.
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