Sobre meditação e cães

Sente-se numa posição confortável: "(...) os olhos mantemos entreabertos num ângulo de quarenta e cinco graus, ponta da língua no céu da boca atrás dos dentes, observe apenas a respiração, a diferença de temperatura do ar que entra e sai da narinas. Vamos observar a própria mente, ouvimos todos os sons próximos e distantes... (ouve-se latidos de cachorro) ... E nada atrapalha a prática, tudo se manifesta assim como é. Cães ladram, carros passam, cada som revela aquilo que é assim como é (...)"

Assim foi que dei meus primeiros passos na meditação zen budista, com um vídeo da monja Coen Sensei no youtube. Não precisou de uma palestra e nem de milhões de livros, para o ensinamento bastou uma frase. Comecei a acompanhar e meditar junto com a monja e, quando estava totalmente concentrado, o cachorro no vídeo começou a latir. Irritei-me. "Tudo se manifesta assim como é, cães ladram". Não poderia ser de uma obviedade tão descarada! Lógico! As coisas são o que são. Por que me irrito com algo que apenas demonstra ser o que é? Minha irritação não parece ser nada sensata, pior, parece não ter razão de existir, pois, por mais que eu me irrite com um latido de cão que me atrapalha a concentração, o meu estado não impede o cão de latir. O cachorro não é meu, nem mesmo é do meu vizinho, não está próximo a mim, o cão a latir está no vídeo.

Sento para escrever sabiamente sobre a experiência. Ligo o notebook, coloco o vídeo para rodar mais uma vez. Começo a escrever. No auge da concentração escuto vozes cada vez mais altas dentro de casa num papo infinito e circular. Irrito-me. Levanto e fecho a porta. Mas que droga!

Pois é....Vamos lá de novo: olhos entreabertos formando um ângulo de quarenta e cinco graus, ponta da língua no céu da boca atrás dos dentes, apenas a respiração.......

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